Tema dos mais tormentosos no direito securitário é a questão relativa a possibilidade de o terceiro prejudicado ingressar diretamente contra a seguradora do causador do dano, haja vista a contratação por este de um seguro facultativo de responsabilidade civil.
Depois de diversas discussões a respeito dessa questão, sobretudo no âmbito doutrinário, o STJ editou a súmula 529, segundo o qual fixou-se o entendimento de que “No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do causador do dano”. (g.n.)
A edição da súmula decorreu da ideia de que no seguro de responsabilidade civil facultativo a obrigação da seguradora de indenizar o terceiro tem como pressuposto a prévia caracterização da responsabilidade civil do segurado, de modo a tornar sua presença no processo imprescindível, para, como melhor conhecedor dos fatos, apresentar a defesa cabível. A seguradora, sozinha, não teria essa condição, daí porque, ferido estaria o direito ao devido processo legal e ampla defesa se assim fosse permitido.
Estabelecida aludida premissa, a 3ª Turma do STJ, no último dia 24/10/2017, no julgamento do REsp 1.584.970-MT, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, admitiu como válida a ação direta da vítima em face da seguradora do causador dos danos, sem que este compusesse o polo passivo.
A notícia da decisão aparentemente deu a incorreta sensação de ser ela contraditória com o texto da súmula 529 do STJ, contudo, depois de uma leitura mais atenta, verifica-se que o entendimento manifestado no caso em concreto – ao fim e ao cabo – não conflita com o que está consagrado no verbete sumular, por cuidar de situação diversa daquela que a originou.
No caso analisado, a responsabilidade civil do segurado era fato incontroverso e anterior ao processo judicial, uma vez que por este reconhecida administrativamente junto à sua seguradora, que, inclusive, a aceitou, tanto que indenizou a vítima diretamente em parte de seus danos, recusando ou assim não procedendo em relação a outros igualmente pleiteados.
A ação em si buscava apenas e tão somente complementação da indenização decorrente de uma relação jurídica de direito material supervenientemente surgida entre a vítima e a seguradora do causador do dano, logo, a presença do segurado era mesmo prescindível, afinal de contas sua responsabilidade não era objeto da discussão, que se restringiu a apuração dos danos.
Apenas para ilustrar, a decisão do STJ de certa maneira se harmoniza com a lei portuguesa que regula o seguro naquele país (Decreto-Lei 72/2008) e que prevê no artigo 140º, item 3, que “O direito de o lesado demandar directamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador”.
Ou seja, no caso avaliado pelo STJ, ocorreram negociações diretas entre a vítima e a seguradora do causador do dano, depois, como já dito, de superada a análise da responsabilidade civil, razão pela qual entendo acertado o que restou decidido.
Mas cabe ressalvar que a admissão da ação direta nesse contexto não pressupõe a responsabilidade ilimitada da seguradora em substituição do causador do dano. A vítima, optando por ingressar apenas em face do segurador, deve estar ciente que a condenação deste não poderá ir além dos limites do contrato de seguro, o qual, pode não ser suficiente para abarcar a integralidade dos prejuízos.
Escrito por: Victor Augusto Benes Senhora